sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Quadrilha


- Bonita, essa música.

- Gosto também. O compositor tava contando a história outro dia. O título vem de um poema do Drummond. João amava Teresa, que amava Raimundo, que amava Maria, que amava Joaquim, que amava Lili, que não amava ninguém….

- Versar cotidiano… Parece fácil, mas tem que ser meio alquimista. Escrever é a arte de juntar pensamentos, olhares, uma sorte de pequenos sinais que nem todo mundo percebe.

- Quem se angustia, conversa consigo mesmo ou vê rostos e enxerga personagens, não aguenta este tête-à-tête interno durante muito tempo. A gente acaba cansando de si depois de muito conviver com o silêncio de nossas perguntas sem resposta.

- Então, o dito cujo escreve.

- Daí vem um outro, que lê um certo texto e enxerga-se ali. Ele não consegue escrever parágrafos intermináveis, nem preencher páginas e páginas de um caderno qualquer com divagações. Porém, sabe que cada uma daquelas palavras é uma nota. E que esta história pode, muito bem, ser contada nas cordas de um violão.

- Aí ele compõe em cima daquilo que o primeiro escreveu?

- Calma aí! Ainda tem uma mulher, que ouve a música. O refrão vira sua frase de efeito, a melodia é a música com a qual viveu e metaforizou mais pessoas e situações. Ela tenta escrever. Nada. Puxa o violão, que tava encostado lá no canto há tantos anos. Resultado nulo. Mas ela conhece lugares. E rostos que podem ser seus personagens.

- Já sei. Ela fotografa e utiliza as palavras do primeiro e a música do segundo. Ela tinha os olhos, o escritor tinha as mãos, o músico tinha os ouvidos… Todos tinham alguma sensibilidade, afinal.

- A questão nem é sensibilidade. Todos tinham uma rota de escape. Aí a gente volta pro poema do Drummond…

- Que é que tem? Termina na menina que não ama ninguém, né?

- Não. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história. E eu fico pensando, se a Lili não encontrasse o tal do J. Pinto Fernandes, como seria? Como é, praqueles que não conseguem fazer com que outros entrem nas histórias? Que não arrumam uma rota de escape? Que não escrevem, compõem, tocam, fotografam, filmam, desenham, encenam…

(Suspiros)

- Vou te dizer, moça: eu tenho é pena de quem não consegue fugir de si mesmo de quando em quando.

20 comentários:

Bruna Werneck disse...

É ROCK! Caramba! AMEI isso de verdade. Parabéns pela criatividade sem limites, Sâmia!

Elania Costa disse...

Amei de verdade o texto.
E como no finalzinho falou, todo mundo precisa "fugir" de si mesmo um pouco...
:*

Clara disse...

Também tenho pena... Até de mim de vez em quando porque a inspiração some e tudo fica preso dentro. Fazer as coisas fluirem por algum canal é algo totalmente necessário pra não enlouquecer.

João Bertonie disse...

ai, samia, você é toda linda, viu

Unknown disse...

Gente, que coisa mais bem feita. Escreves muito, menina.

Sara Morais disse...

AMEI isso de verdade. Parabéns pela criatividade sem limites, Sâmia! +1

Rebeca Postigo disse...

Fugir de si mesmo é algo maravilhoso...
Adoro fazer isso...
Amei o texto!!!

Bjs

Milena Lobo disse...

AAAAAAAAAAAAAAMEEEEI o texto!!!! Muito criativo,e diz toda a verdade.

Milena Lobo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carol Fernandes disse...

Dar um tempo de nós, ofusca os problemas e qualquer coisa que interfira em nossa paz.Tá maravilhoso, gostei muito meeesmo.

Beijos :*

P.S.: Tenho um selo para você!

Anônimo disse...

sem palavras. voce escreve tão tão bem!

Thaís A. disse...

Ah, se um dia eu tiver a capacidade de criar um diálogo desses. Adorei Sam, sempre diferente :D

Anônimo disse...

daqueles textos que enchem nossos olhos de lágrimas e nos preparam para dormir tranquilamente!

Anônimo disse...

Há tempos acompanho teu blog! Resolvi abrir a porta do meu agora.. te seguindo!
Bjs

Anônimo disse...

Ótimo, ótimo!

Anne Beatriz disse...

Lindo, Sammy, como sempre.
Até tuitei a última frase, hihi.

Fiz um curta na faculdade em cima desse poema! HAHA Olha lá se quiser http://www.youtube.com/watch?v=2xP6YTO8FuE

Lírio Amarelo disse...

O poeta pode ser todos..
O que olha, o que fotografa, o que filma, o que encena e o que escreve.
Afinal, se ele e o dono da sensibilidade ele pode ser o dono do Mundo ue.
Parabéns!
Adorei seu espaco!
Principalmente por ser um pouquinho Bossa e um pouquinho Rock in Roll! ']

Lírio Amarelo disse...

Ah, os dois!

Luciano de Souza disse...

No fim, não era Drummond, não era violão, não era olhar, nem saber amar, nem saber pra onde e quando fugir. No fim era, se não outra coisa, a arte de viver.

Pequen(A)mar disse...

"O artista não é um tipo especial de pessoa, mas toda pessoa é um tipo especial de artista"...

Muitos não percebem sua arte... porque a arte é como dinamite para um fogo chamado liberdade...

E se todos se vissem encharcados de arte, a explosão seria tão grande que não se segurariam as estruturas, ruiria tudo, cairiam os tronos e teríamos que construir tudo de novo, lado a lado, todos livres...

Tem quem não queira... muitos que não querem... e então, dizem que a arte é só um fogo-de-artifício que passam na tevê e ficam só assistindo, sentindo-se secos, sedentos dessa fagulhazinha sem graça que vendem...

Mas a arte tá nos ossos negros de carvão de todos nós, como está nas veias da terra... válvula de saída para novos mundos...