sexta-feira, 20 de junho de 2008

Monólogo

"Ah meu querido! Te amei tanto e quanto! Mas já não estais aqui para ouvir meus apelos. Teu corpo já está vazio, tuas carnes já estão apodrecidas, teus lábios eternamente adormecidos no profundo frio da morte.

Como testemunhas só tenho estas quatro paredes deste triste quarto. Como cúmplice, talvez a grade de minha janela. Como juiz a vida, tão faceira, tão malandra. E como réu, o amor que vem do peito de onde sai como a brisa da tarde, esta confissão.

Sempre te amei, nunca destes o devido valor. Ficava pensando em você o dia todo, imaginando onde você estaria, se a mim um pensamento dedicaria. Em vão, sempre em vão. Tu amastes a ela e mais ninguém.E eu, somente eu, mereço este amor.

Duvido que ela tenha amado-te tanto quanto eu. O meu era um amor inocente, sem malícias, pensando no dia em que eu subiria no altar de vestido branco e tu tão bonito em teu paletó. Sonho de uma rapariga com muito amor no peito e sem nenhum juízo na cabeça.

Mas ela sempre viria na frente. Sempre. Não importava o tempo, a distância, as companhias, sempre podias dedicar tua atenção a ela. Não quis te contar, mas enquanto os lábio dela beijavam os teus, sua mente delirante estava em outro. Em outro! Se ao menos fosse eu beijando-te, faria você o homem mais feliz deste mundo.

Mas não, sempre me vistes como uma amiga. O ombro onde chorava, a confidente com quem dividiria segredos. E nada mais. Sua palavras eram minhas, porém teus pensamentos eram dela.
Casaram-se. Mas a doença a levou. Em má hora para ela, mas em boa para mim. Agora tu serias meu, por inteiro.

Porém, de mim só quisestes os conselho, os carinho de amiga. Foi no meu colo que deitastes, no meu ombro que chorastes. Porque não gostava de mim?, pensava eu.

Até que finalmente consegui mexer com seu coração. Beijamos-nos, porém, senti que aquele beijo tinha um gosto estranho, gosto de beijo sofrido, como se te custasse muito beijar-me.
Percebi que não foi para mim que fostes feito, mas não queria que tudo acabasse daquele jeito. A gripe pegou-te, como já havia feito a tantas milhares de outras pessoas. Não fostes jogado em uma vala comum, como aqueles corpos comuns por intercessão minha. Mas nada mais adiantaria. Estavas morto e contigo ia o meu sentimento.

Daqui a alguns instantes estarei contigo. Se viva não pude ficar do seu lado, que seja depois de morta."

Nota: este texto foi feito após uma aula de história em que o meu professor citou a gripe espanhola. Junto com aqueles corpos iam pensamentos, sentimentos e até mesmo almas, para onde nenhum gripe poderia pegá-los.

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