sábado, 23 de maio de 2009

Mariana

Conhecemos pessoas e mais pessoas ao longo de uma vida. Há aquelas que são apenas uma marola, molham teus pés, se vão com a mesma suavidade. E há aquelas marés altas, fazendo-te engoli-las em doses profundas que perfuram sua traquéia e preenchem-te de forma avassaladora. Mariana era uma monção em forma de mulher.

Mariana? O nome sempre me levou ao mar, apenas por questões literalmente semânticas. Ela tinha sim, algo de mar. Pouco, mas tinha. E detestava admitir.

Seus cabelos caíam, ondulados até o meio das costas. Ondas turvas. A pele era de um branco-areia sólido, como se o Sol nunca a tivesse tocado. A face miúda lhe conferia uma aparência frágil, traída apenas pela expressão constante de escárnio mesclada com amargura.

Ainda assim, bonita. Não da forma veiculada pela mídia, das manequins de rostos surreais e corpos esquálidos. Mariana era bonita à sua maneira.

Mas nada me interessava mais em Mariana do que seus olhos.

Jamais havia visto nada igual ou parecido. Negros como o mar à noite. Tempestuosos. Alguém disse que eram rancorosos. Eu apenas digo que são profundos. O mais próximo que posso assemelhá-los é a túneis escuros.

O olhar merece um parágrafo à parte. Mariana poderia olhar horas a fio para alguém. E esse alguém não agüentaria olhar em seus olhos nem por um instante. A inexpressividade de seu olhar, de tão grande, assusta. Tentei uma vez, somente... E foi o suficiente para saber que jamais deveria fazê-lo novamente. A desistência fora atestada em menos tempo do que gostaria. Ao menos, pude decifrar alguma parte aleatória do seu grande enigma. Os olhos eram, acima de tudo, perdidos. No mundo, em si. Em outro alguém. Desiludidos, quisera eu saber. Ficarei na querência.

Quando pousava em algum ponto perdido no horizonte durante uma conversa rotineira, eu tentava imaginar o que estava pensando. Frustração nessas horas tornou-se algo muito comum. A face ficava tão vazia quanto um livro em branco. Ela, quando percebia o devaneio, esboçava, com alguma dificuldade, um sorriso desajeitado. Que não passava de sua boca. Por ironia do destino, quando se foi, senti como se tivessem tirado meu ar. Eu respirava Mariana, imaginava Mariana, instigava Mariana. Liguei-me a ela de forma ininteligível. Ao invés de repelir minha atenção, como seria de costume, Mariana seduziu-a. Minha fome de mistérios talvez seja minha ruína.

Especulo que meus olhos estejam tão sem vida quando aqueles outros, tão incômodos. Dos males, o menor. Sei o modo de fazê-los reviver. Mariana? Há cinco anos não a vejo. Dói pensar que os olhos perdidos vagam sem direção. E reconforta menos a ideia de que os túneis escuros foram deixados para trás.

Vazio é opção. Mariana, minha necessidade.

14 comentários:

Marcela disse...

Como eu sei o que é ter uma Mariana. Ficar sem ela, e no meu caso ele.
Ele ainda não se foi, mas tem data praticamente marcada. É mais do que um romance, e na verdade sinto que romance dá a impressão errada desse relacionamento. Ele faz parte de mim, não serei jamais a mesma, e nunca boa o suficiente sem ele.
Um vício, uma vida.

;**

Bill Falcão disse...

Como você mesma disse, Sam, nossa fome de mistérios talvez seja nossa ruína.
Bjooooooooo!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Cara vc me impressiona!
Fãn sua eu sou *0*

O Profeta disse...

Quero ser barco que foge ao farol
Quero que o vento dance nos brandais
Quero ser viagem de rumo incerto
Quero ser a descoberta na procura do mais

Da próxima vez
Quero ser estrela-do-mar
Um golfinho de chapéu de coco
Um búzio com o som do chamar


Uma boa semana


Mágico beijo

Lívia Hartmann disse...

que lindo!
Parabéns!
Bjsss

Ryan Zamperlini disse...

Nossa, lindo demais o seu texto!

"O amor perfeito é aquele que nos transforma no melhor que podemos ser"

Quero a minha mariana para sempre!

T.T

Marcus Alencar disse...

Seu texto me lembrou e muito as emoções que senti quando lia pela primeira vez a história de Macabéa em ``A Hora da Estrela``. Quantas pessoas assim, como ela e Mariana, existem no mundo e nos fazem perder em mistérios da imaginação. Tomara que seus olhos se encontrem menos vagos e com mais expressividade.

Thaís A. disse...

Prefiro a Thaís. HAHA, brimks. Muito lindo Sam, muito mesmo *-*

tainá disse...

Pessoas vem e vão. As vezes devemos nos acostumar com despedidas. :]

Louise Mira disse...

*suspiro*

que lindo! ^^

Anônimo disse...

Oiie Sam tudo.. tava com saudades daqui!
ADOREI teu texto, *Há aquelas que são apenas uma marola, molham teus pés, se vão com a mesma suavidade. E há aquelas marés altas, fazendo-te engoli-las em doses profundas que perfuram sua traquéia e preenchem-te de forma avassaladora*
perfeito!!!!
beijossss

Jerri Dias disse...

Conto interessante. Infelizmente nunca conheci alguém como essa Mariana.

Jaya Magalhães disse...

Ana e o mar.
Mar e anaaaaaaa!

TM. E Dulce, a minha.

Mariana mereceu um parágrafo a parte, pelos olhos. Assim como ela.

Beijo, Sam.

Morais.Priscila disse...

eu curti bastante o post^^
BeijOos