quinta-feira, 23 de julho de 2009

Chuva Fina

Madrugada alta. Passos leves. Chuva fraca. Fina, escassa. Subjetiva. Nostálgica. Cheiro de grama molhada, de infância perdida e juventude transviada. Bufões irritados da mãe do garoto festeiro, que não voltou às dez, como prometeu. Sono tranqüilo da criança, entrecortado por suspiros de quando em quando, embalados pela voz doce da mãe. O choro das desabrigadas. Preces desesperadas da senhora maltrapilha dos cabelos desgrenhados, sem saber o que será do amanhã. Chuva do casal que está junto pela primeira vez. Chuva de todo mundo e de ninguém. Chuva do fechar os olhos e se levar pela música que está ouvindo. Ou aproveitar as lágrimas doces e juntá-las às lágrimas salgadas.

Pingos a martelar com insistência os paralelepípedos desalinhados, umedecer aquele ar carente de água, carente de gente. Gotas bem vindas. Gotas mal vindas. Fios invisíveis, do finito-infinito, d’onde os olhos perseguem o último punhado de luz, na esperança de compreender o que já não se consegue mais enxergar. Do jeito dos tolos. E é fácil ser um. De certa forma, somos todos tolos. Todos queremos ouvir o que não foi dito. Querer ver o planejado que não foi construído. Querer falar apenas o que se quer ouvir. Querer sem querer, querer sem poder. Mas querer. E é do querer que não se tem, do poder fálico, da força sôfrega, que as mãos se abaixam, desoladas, no resquício de fé. De tanto achar que sabe, o pobre tolo perde-se na ignorância.

Os pingos passam a minguar. Cada vez menos. A chuva fina vai puxando seu manto prateado. Há mais estradas para percorrer. Vai ser antídoto pra outras carências. Solução. No seu pecado, redenção. Na vida daqueles de ar seco e olhos míopes, calejados da cegueira do mundo, benção. Do atraso comum, maldição.

Da divagação à reflexão. Se antes havia dúvida, agora há mais hesitação. O pranto já é alegria de novo. Lucidez bateu asas e voou. E sono. A chuva, agora garoa fina, faz um plic ploc bom de dormir. Não apenas lá fora.

A chuva fina cai em mim.

16 comentários:

Bianca disse...

eu gosto dos seus textos! 8-*
sendo assim, deixei um selinho pra c lá no meu bog!
vê lá!" :)

Filipe Garcia disse...

Oi Sam,

seu texto me trouxe a imagem de alguém à janela, vendo os pingos de chuva escorrerem pelo vidro da janela. Junto deles, escorrem também os pensamentos, como se fosse a melhor hora pra pensar em qualquer coisa. Chuva traz reflexão, nos propõe um encontro silencioso, de forma que dialogamos, evaporamos e chovemos.

Somos ciclo, também.

Belo texto!

Henrique Miné disse...

é, hoje esta um dia assim.
Consegue imaginar como me senti ao ler isso?
Maravilhoso, me supreendo cada vez mais com você.

Beeijos.

Janaína Morais disse...

Chuva me lembra:

Cobertor > chocolate quente > namorado > filme de comédia > diversão em casa.

Beijoos...

;)

Elton Alves do Nascimento disse...

Incrível como você conseguiu usar um texto tão grande só pra descrever uma chuva, muito bom. ;)

Don't Speak disse...

Sam, adorei!
Descreveu perfeitamente!!
")
beijo.

Thaís A. disse...

que lindo Saam, tava com saudades de ler um texto seu!

Jaya Magalhães disse...

Seu texto, sua narração, as cenas, tudo me tirou daqui da cama, enquanto li. Foi lindo, sabe? Toda vez que venho aqui, tem algo ainda mais lindo.

É bom se deixar chover. É essencial, eu diria.

Beijo, Sam.

João Bertonie disse...

Às vezes (quase sempre!), uma chuva é apenas um pretexto para que outras coisas se mostrem. Amo-te, ok?

Anônimo disse...

"Chuva fina na minha cabeça; a vida inteira, chuva na cabeça; Tá relampejando no céu da minha cabeça"

Quando li esse texto só me veio essa música na mente.

Amei =]

Vitóriaㅤ disse...

heey!
tudo bem??
visita o meu blog dps: justmeandthemel.blogspot.com beijoss...

Monique Lôbo disse...

Oi Sam, andei sumida, mas a saudade não me deixa ficar muito tempo longe! Estava com saudades dos seus textos e olha o que eu encontro um textÃO!!
Lindo, poético, criativo e sincero! A chuva é muito boa, lava a alma e vem sempre acompanhada de outras coisinhas que se acomodam em nossas vidas!
lindo texto!!!

Bjãoo

Anônimo disse...

adorei fofa... como sempre valeu a pena visitar o seu canto =)

beijosss

Darshany L. disse...

gostei das frases curtas (esqueci o nome que se dá a isso)

:)

Marcus Alencar disse...

Gostei da poesia simples do seu texto, sabe, dá para até imaginar sem dificuldade as situações descritas em cada frase, é uma experiência interessante essa de ver o tanto de histórias tristes que se pode ter num dia de chuva pois no fim das contas ela cai para todos sem distinção.

Luna disse...

Meu... quaze um grito de desabafo pelo menos foi o que senti...

meus conflitos, meus desesperos...

Sabe, talvez sejam os tolos que sejam felizer... pois elis muitas vezes não tem noção do que se passa ou fazem ser assim desa forma para que a dor não seja tão doida e a vida mias vivida...


beijossssss... Luna...