segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Co[r]tidiano

Vez em quando, caio no mesmo. Caio em mim. Nas desculpas esfarrapadas, nas lutas mal-lutadas. Embaço uma lente, finjo ver um mundo fosco, desfocado. O mundo, por sua vez, não me vê. É apenas gosta derramada no mar, de autopiedade comovente. Merece atenção, não.

Noutros dias, a lente, sem querer, desembaça. Os óculos estão em cima da mesa e o atraso não é tão grande assim. O motorista de ônibus nem parece tão desgraçado quando não pára no ponto. O professor te xinga quando você faz um estardalhaço ao entrar na sala, mas você não se importa mais. Ele, professor, não se importa mais, já que a vida, professora maior, assim lhe ensinou tanto tempo atrás. Há algo mais que se importar.

Resgato a aquarela encolhida de onde já nem lembro mais. A mão treme, desacostumada do pincel. O olho pisca, uma, duas, várias vezes, esquecido da alegria das cores. As gentes perguntam o que será que houve com a menina degradé. A menina fica quieta. Ri, consigo. Gente boba.

- Endoidou de vez, tadinha.

Deixam-na sozinha, de costume. Soltam o merece, não que tanto já incomodou. Correm de novo para suas redomas, isolação do mundo, isolações de si. A menina continua lá, pintando o que não vê. Os olhos já estão cansados, não funcionam tão bem. Os sentimentos e a razão, quadro impressionista, imprimem no papel a eterna luta cotidiana. A menina tenta olhar com os olhos de dentro, mas as pessoas continuam andando, sem saber aonde vão. Ela troca de pessoa, eu troco de mim, nesse caso reto, oblíquo e dissimulado. O tempo verbal já não possui mais verbo algum.

Por fim, levanto. Guardo as tintas, consciente que amanhã as cores mudarão, de novo. Precisam mudar. A graça é a cor, a cor-sem-cor, a cor da cor. Hoje, a ela-eu encontrou o amanhecer de suas cores. Amanhã, as cores podem perdê-la.

9 comentários:

Ana disse...

Acho que às vezes a gente precisa misturar as cores, ao invés e tentar usar uma de cada vez. Acho que isso dá um "colorido" pra vida :)

Que texto lindo, ainda quero escrever como você *-*

Beeijo ;*

Agatha disse...

As cores.. Irmãs das palavras na minha mente. Não há nada que chegue mais perto de trasmitir o que você é ou o que você "está" no momento do que pintar ou escrever loucamente, que se dane se não haja sentido algum, só pondo pra fora fazendo o papel e a tela servir de penseira..

As vezes você só é invisível pra sí mesmo (:

Érica Ferro disse...

"Vez em quando, caio no mesmo. Caio em mim. Nas desculpas esfarrapadas, nas lutas mal-lutadas. Embaço uma lente, finjo ver um mundo fosco, desfocado. O mundo, por sua vez, não me vê. É apenas gosta derramada no mar, de autopiedade comovente."

Me lembrei de Clarice Lispector lendo esse texto.
Realmente lindo. Você escreve muito bem.

:*

Henrique Miné disse...

Sabia que as vezes você me assusta?
hehee.

Mas de um jeito bom, bem entendido. ;D

Beeeijo.

Mickael disse...

Belo texto,as cores exercem uma força sobre as pessoas.Porém são poucas as que conseguem perceber' .

Luciana Brito disse...

Um dia de cinza, outro de vermelho e outro de arco-íris. O que vale é não ser sempre a mesma cor, variações são permitidas, o igual é que incomoda.


Gostei do texto!! ^^

Beijos!

Adriel disse...

O dia é a folha em branco, nos somos os pinceis, e vida são as cores....

otimo texto!
Grande Abraço moça!

Louise Mira disse...

o último parágrafo fechou com chave de ouro!

puxa, que saudade de passar por aqui! bom, agora que minha net vai voltar, vou estar sempre por aqui, hehe

brigada pelos selos, viu? já pus lá!

bjs

Nayara disse...

Lindoooo o textoo
as cores...ah as cores
acho que vc falou tão perfeitamente sobre elas, que tentar complementar não iria dar certo.
Belo blog sempre to lendo
Beeijo