segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Eu lírico

Ela disse que era fácil. "É como andar ou falar, está dentro de você. Em certo momento, vai escutar uma voz fina, sôfrega, te chamando. E tudo vai se tornar muito pouco diante do pouco que isto é".

Encontrar? Como encontrar o abstrato? Ela disse que quando fitasse a folha sob a mesa desarrumada seria como regar uma semente esquecida no solo e vê-la brotar na inocência dos recém-nascidos. Mentira! O papel continuava ali, branco e vazio - uma analogia à sua mente, talvez.

Segurou o lápis como quem empunha uma lança, disposto a derrotar o inimigo invisível, que agora o encarava com sarcasmo. As idéias estavam esfrangalhadas. Idéias? Esboços espalhados, como aglomerações em um universo solitário. Tão solitário...

Em algum lugar leu que escrever doía. Mais. Escrever é parto. É uma entrega, sem volta. Apenas escreve quem sente; e sentir é pra quem tem os olhos de dentro. Tocar cada palavra se formando, moldá-la com o mesmo cuidado de um oleiro. Depois, vê-la sair de ti. Dói, sabe? É um fragmento de alma partindo para uma independência que não há. Quem cria tem ciúme. Saudade. É um filho que distancia à medida que o tempo preenche o esquecimento.

Ouviu um ruído baixo. Besteira, não vale a pena atentar. Sente uma dor, de leve. São elas. Uma dor, dor daquelas que se sente uma vez na vida, possuindo seu corpo.

- Não carece disso. Eu não sou isso.

- Mas é seu. A quimera está devorando o lado bicho, pra crescer o lado humano.

Num átimo, passou. A sala, que adquirira uma aparência profana voltara ao seu tom de realidade. Correu para o espelho. O cabelo continuava desarrumado, os olhos castanhos. Era um castanho profundo... Os olhos ainda piscavam, como se estivessem abertos pela primeira vez. Sentia-se pela primeira vez. Queria pular até os céus, tamanha a euforia de seu espírito. Queria rir, da graça que é a vida, mesmo que não visse nenhuma graça. Queria amar, mesmo sem saber.

O menino de dentro abriu os olhos. Correu até o papel e despejou-se. Não havia nem antes ou depois. Ele era. O Eu lírico ganhara seu sopro de vida.

11 comentários:

Babih Xavier disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Babih Xavier disse...

Escrever é "vender a alma em palavras" Clarice Lispector
liberta, alivia, anima...
escrever é a forma mais fácil de ser feliz \o

Vanessa Cristina disse...

Nossa, que coisa mais linda!
Tô chocada, aqui.


Beijo
:*

Luana Mendes disse...

E não há coisa pior do que não conseguir escrever nada. Ou há. Há aquela pessoa que tem medo d que escreve ;x

;*

Érica Ferro disse...

"Escrever é parto. É uma entrega, sem volta. Apenas escreve quem sente; e sentir é pra quem tem os olhos de dentro. Tocar cada palavra se formando, moldá-la com o mesmo cuidado de um oleiro."

Lindo. Mil vezes lindo!

Me arrepiei lendo.
Você, simplesmente, "sacode" lindamente suas palavras!
Sou tua fã... tua fã!

Henrique Miné disse...

Haah, ja discuti com meu Eu lírico em alguns textos não publicados.

Terei sorte se ele não ver isso..
haha.

Adoro o que você escreve, saiba disso. ;D

Beeeijos.

Agatha disse...

Meu eu lírico vive de rebeldias, talvez pelo fato de que nem eu mesma possa compreender-lo. Ou talvez por que eu ainda não descobri como libertá-lo, descreve-lo, publicá-lo. Pelo menos não ainda. Pelo menos nada que chegue perto da coisa que tenho aqui dentro, me perturbando. Ela me cutuca pra sair. Ansiosa, revoltada.


As vezes me vejo em seus textos. Você me assusta ok q
bjsmil

Anônimo disse...

Não sei o que falar. Na boa, não sei mesmo. Ai, credo, to me sentindo muito estranha aqui depois de ter lido isso.

Bill Falcão disse...

Quando o menino de dentro abre os olhos...
Bjooooooooo!!!!!!!!!

Nathália Monte ;D disse...

e tu sempre me deixa babando..kkkkk

beijO

Bianca Caroline disse...

"Como encontrar o abstrato?", o texto resumido nessa simples pergunta ^^

Muito bom, parabéns

beijo