domingo, 25 de outubro de 2009

Morte

Morreu, ainda que o coração pulsasse.

A máquina ao lado - e tão longe, como percebeu tentando alcançá-la com os braços cobertos por fios - apitava com a mesma uniformidade com que o músculo pulsante se comportara nos últimos três dias. Viver era obrigação, estafante, das que deveria fazer para sustentar seu moralismo. Demagogo.

Funcionavam os músculos, o cérebro. Porém, sentia-se tão vazio quanto uma caverna, da qual não tinha ideia do quão profunda poderia ser, nem do volume das vozes, quando ecoavam dentro de si. Vozes de eus, em outros carnavais, carregados de lembra, você perdeu aquilo, pena!, e olhe o você, de agora.

Tentou alcançar os ouvidos, mas lhe doeu qualquer coisa e desistiu, desdenhando das uvas como fosse uma raposa altiva, que deixava aqui para colher ali, do outro lado. Ele, [in]felizmente vivera mais que uma raposa, para procurar uvas em parreiras inalcançáveis, as quais vira num rompante de vontade, virando-se para espiar por cima do ombro. Ora, e porque voltar quando poderia encontrar parreiras maiores, mais frondosas e doces?

Não entendia exatamente o que fazia ali. Sentira uma dor fina, aumentando como as ondas n'água de uma pedra jogada. Dor de abandonar a vida. Dor,-dê-vida. De ser. Ser doía, sabe? Dor de caminhar em um lugar desconhecido por uma hora e perceber, depois de muito andar, que não saíra do lugar. E não conhecia por onde andava. E não era. E perdia, corria, corria até parar em um beco escuro, sem ver saída e ninguém que [des]conhecesse. Perder-se? Melhor acompanhado. Daí, na ida para casa, poderiam rir do embaraço e desespero de ambos, e no dia seguinte, lembrar do episódio como uma peça de folclore familiar.

Estava acompanhado. Dos cabos, amarras, reais. Imaginários.

Por fim, o coração parou. Diagnosticaram uma hemorragia.

Da alma.

10 comentários:

Marcelo Mayer disse...

estou em luto pelo meu amor. ele morreu dentro de mim.

Deise Lima disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Deise Lima disse...

A vida sem bons momentos e sem amor é como uma morte de olhos abertos e passos ao vento sem destino.

Tiago Fagner disse...

não sei se rock ou bossa. Ficaria bom com os dois, ótimo texto, o nome do glog é perfeito. Realmente "coisas que só o coração pode entender". Parabéns pelo espaço!
www.tiagofagner.blogspot.com

Desirée disse...

As vezes penso em matar um certo amor, mas sem ele eu não sou nada. Fazer o q?
:)

Charles Bravowood disse...

De uma forma ou de outra o amor também dói.

Charlie B.

Érica Ferro disse...

O amor dói? :S
Em mim sempre doeu, mas não sei ao certo se já amei.
Complexidade!

Adoro esses teus textos subjetivos. *-*

Beijo.

P.s: Tente não sumir mesmo, hein? Sinto falta, queridona. ;)

Um disse...

Maravilhoso como sempre.

Adoro esses teus textos subjetivos. [2]

A n i n h a a disse...

Que coisa arrepiante.

Senti uma pegada meio Caio Fernando Abreu, vc costuma ler?


Adorei demais o seu texto, uma pegada meio dark do jeito que eu gosto *-*

beijos gata :*

Isabella S disse...

Seus textos são surpreendentes! E pelo menos, parecem, sr muito sinceros ! (: