domingo, 15 de novembro de 2009
Roda viva
Jogou raivosamente a mala, desatou o nó da gravata com uma rapidez quase selvagem. Puxou a caneta do bolso e riscou o calendário. O som da ponta da caneta arranhando na superfície lisa lhe dava um prazer indescritível, menor apenas pela constatação de que era uma segunda feira a menos. Pulou no sofá, como sempre fizera longe das vistas de outros.
- É estranho ser você só você mesmo.
Pensar no escritório lhe amargava a boca. Gravatas, monotonia, ternos, golfe, processos jurídicos, monotonia. Aliás, esportezinho fresco esse golfe! E pensar que seus amigos lhe diziam que vê-lo jogar era um verdadeiro espetáculo. Veadagem, isso sim.
Escolheu um disco, pôs a agulha. É, agulha. Vitrola. Coisa de gente antiga. O cheiro de poeira era inebriante. Não percebera o disco que pusera. Os primeiros versos de Cotidiano contaminavam a sala. Todo dia ela faz tudo sempre igual...
Não quis lembrar da ausência da boca de hortelã. E Chico, o cantor das mulheres, lhe lembrava o eu te amo de quem já perdeu a noção da hora, jogou tudo fora e não sabia com que cara iria partir. Ah, ela soube.
"Se você quer alguém que não beba, não fume e não fale merda na frente dos empresários, compra um manequim de loja."
Ele rodara num instante, nas voltas de seu coração. A roda da saia da mulata encantava, não mais a si. Menina, que não sabe quem eu sou. Menina, que não conhece meu amor. Desconhecia ele, o Amor. Sabia de processos jurídicos, gravatas, monotonia. Golfe. Só não sabia dela.
A roda-viva ainda girava. Que adiantava? Ele era alguém que partiu ou morreu.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
9 comentários:
é, o eu-lítico feminino de chico é puro machismo. sempre o cara no bar e ela rolando na esteira. as mulheres de chico nunca receberam incentivo para sair de cabeça erguida! mas ele é foda rs
Nossa sempre ki eu leio esse blog fico com uma interrogação maravilhosa em minha cabeça que me faz refletir pra várias coisas :]
Ele tem que ressuscitar!
Nossa a D'eu disse tudo!
Seus textos são incríveis Sam.
Beijos
ta, agora a musica nao sai da minha mente.
"diz que esta me esperando pro jantar, e me beija com a boca de cafe"
sabe, isso lembrou-me um conto que escrevi ha um certo tempo, tratava quase da mesma coisa, so com menos poesia e genialidade.
ta, paguei pau agora, haha :$
beeeeijos.
Ah, morrer para a vida é uma coisa tão triste.
E adorei a frase da imagem (: Muitas segundas-feiras mereciam e merecem ser canceladas.
Um beijo
Digamos que também fiquei com um pontinho de interrogação, e acredita está me fazendo pensar, gosto dessa sensação!
Charlie B.
Bossa.
Uuuuh, adorei esse texto! *-*
E eu AMO a música "Eu te amo", mas eu gosto mais dela cantada epla Zizi Possi, já ouviu?
Postar um comentário