quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Mil acasos

"São Paulo é grande. Tem muitas ruas. Ruas compridas, cheias de restaurantes, botecos, casas de... Deixa pra lá. Mas, porque diabos...?"

- Camarada, desce mais uma rodada.

Ela continuava a mesma. Cabelos negros, olhos vermelhos da noite do ontem que não dormiu. Ou, se dormiu, não foi em sua casa. "Bah, porque eu ainda me preocupo...?"

- Rodada pra uma só? É falta de alguém pra dividir?
- Não. É a vida que não divide nada comigo.

Ela não dividiu nada, pensou, com certo azedume. Conhecidos de tanto tempo. Quinze anos. Uma vida. De cada um deles, claro. Sempre houve um eu e ela – Nós? Ele era apenas uma terceira pessoa.

- Ô, amigo, vai entrar?
- Vê uma cerveja.
- Só cerveja, rapaz?
- A noite tá só começando.

“É torcer pra ela estar chapada demais pra não me reconhecer. Ok, mentira. Eu quero que ela me reconheça. Eu quero que ela esteja sóbria e falando naquele tom de voz que me arrepia a cada palavra. Quero e não quero...”.

- E-eu conheço você... Acho.
- Deve estar me confundindo com alguém. “Eu sou um merda mesmo.”
- Que bom. Não gosto de encontrar conhecidos no bar. Primeira vez aqui?

“Primeira e última”, pensou, com amargura. “É nunca que eu vou encontrar ela no mesmo bar, na mesma rua, numa noite de insônia novamente.”

- É, primeira. Preocupação é cola que não sai da cabeça e rosna com o sono, se ele chegar perto.

- E álcool espanta a preocupação e chama o sono pra deitar. Aliás, me deixa encostar no seu ombro?

- Já bebeu tanto assim?

- Não. Mas você parece confortável – riu, com uma inocência quase infantil.

Duas horas e muita bebida, ele não sabia mais o que era sonho, o que era bar, e ela? Estava lá mesmo? Tinha um peso no seu ombro e uma respiração suave no seu pescoço. Ah, e um braço, lhe apertando forte de quando em quando.

“Que eu faço, meu Deus?”

- Acorda. Você tem que ir pra casa.

- Tenho sim. Pra sua casa.

Apenas uma noite. As lábios unidos, as roupas no chão, as palavras ao vento. Num acaso, perdido no tempo e no espaço, os braços dela se juntaram aos seus, num abraço atemporal, eterno na sua efemeridade. Na manhã seguinte, seu corpo foi embora; ela ficou imortalizada nos lençóis brancos. E na secretária eletrônica , testemunha muda, a voz que pedia – com a educação de uma desconhecida – que ele pagasse a conta pendente no bar.

6 comentários:

grazi pinheiro disse...

Ixê! "É rock ou bossa?" Posso ficar em dúvida? rs
Olha, gostei muito do seu blog, viu?
Eu já estive aqui a um tempo atrás, li algumas postagens e ficou por isso. Mas achei você de novo e resolvi te seguir.
Sampa é uma cidade bem grande mesmo, adoro ver os japinhas ai, HUAHAUHA-n
É isso. Beijos e sorrisos
meus créditos para o blog ficam.

Marina Menezes disse...

Sam, adorei o texto.
Esses seus contos me lembram tanto a Clarice Lispector, pelo modo como você ordena os fatos e pensamentos, e por como utiliza as palavras.
Sam, quando você for famosa eu com certeza vou lembrar de você!
Beijos e um toque de heavy metal pra ti :*

Anônimo disse...

Adorei... meio bossa esse? Oo

BeijO*
Bom natal.

Daninha disse...

Seus contos são ótimos, tão bons de ficar lendo *-*
Eu nunca repondi essa pergunta "É rock ou bossa?"
OAPSKASOPA'
É Rock!

Beijos e boas festas pra ti!

Anônimo disse...

Mil casos. E eu perdido entre um deles.


Ah, voltei a escrever. Desculpa o sumiço, mas às vezes precisamos de um tempo, rs. Mas estou de volta!

Érica Ferro disse...

Ah, Sam...
Gostei tanto desse conto!

É rock, é bossa, é poesia, é Saaaaamia! ♥

Beijo.