sábado, 13 de dezembro de 2008

Ponto de ônibus...

Quase onze horas da noite.

Ele tremelicava de frio. Maldito tempo de São Paulo que me faz sempre estar desprevenido na hora errada, pensa.

Ponto longinquo, ônibus vazio. Comemora. Ao menos, não terá de abrir as janelas. As rajadas de vento estavam fortíssimas.

Ele entra, respirando novos ares. E para sua surpresa, além dele só há uma outra pessoa.
Mulher jovem, bonita. Mas com um tom de indiferença que lhe causava estranheza. Ela estava e não estava. Fixava seu olhar em um ponto perdido no infinito, ponto esse que só Deus poderia entender do que se tratava.

Mas veja só, acabava de vê-la e já a analisava. Sossega, homem! Muita areia pra teu caminhãozinho.

Ela parada, finge que nada vê. Mas reparara o indíviduo que estava - propositalmente ou não? - sentado atrás de seu banco. Oras, deve ser cordial, afinal, só estão os dois naquele ônibus.
Pensa em iniciar uma conversa, mas desiste. Conversar sobre o quê? O que levaria a um diálogo?

Olhando do outro lado, ele a percebia. Alheia ao mundo. Roupas sociais. Certamente, uma advogada em início de carreira. O que ela teria a ver com ele, aquele pé-rapado?
Ela, ainda fixa em um ponto invisível (talvez uma tentativa de não fitar aqueles olhos interrogadores). O dia todo a procura de um emprego e, nada! Vestira-se da melhor forma possível; caprichou no cabelo, nas unhas, na maquiagem... Porém, de nada lhe adiantara. Lá estava ela para engrossar as estatísticas de desemprego.

Ele : "Ela tem cabelo curto. A nuca está a mostra. Como a...".
Lembra, com certo tom de nostalgia, de sua ex namorada. Inteligente, interessante...E fria. O que jamais encontraria naqueles olhos distantes. Lindos, por sinal.

Ela: "Ele tem aquela barba rala".
Amava uma barba rala, que lhe fizesse cócegas no rosto. Meu Deus, quinze minutos e já estava fantasiando com o desconhecido! Sossega mulher, não é pra teu bico.

Cabelo preto. Olhos castanhos. Unhas claras. Aquele olhar perdido...
Poderia pedí-la em namoro se quisesse. Ali mesmo. Seria no minímo, incomum. "Tu é linda. Tô preso no teu olhar. Namora comigo?"

Não, não. Direto demais. Namoro, onde já se viu! Em pleno ônibus, ainda... O motorista o conhecia de todos os dias. Ele tomaria um toco. Seria ridicularizado, perderia a moral. Romantismo, hoje? Que coisa mais fora de moda!

Aquela barba rala...Aquele cabelo arrepiadinho. Estava carente. Ele não aparentava estar namorando, casado ou nenhum outro compromisso do gênero. Perfeito! Puxaria assunto. Conversariam sobre política, empregos obviamente. Sobre a ascenção do seu time no brasilerão e talvez, sobre as artes. E ele entenderia que deveria calá-la com um beijo...

Mas que besteira estava pensando! Que utopia. Nunca haviam se falado e já estava a imaginar situações. Quanta loucura!

Ele estava cansado de amores efêmeros. Queria alguém que durasse.
Ela queria uma barba que lhe fizesse cócegas. Um homem de olhar carinhoso.

- Parada final.

Ele despertou de seu devaneio. Era agora.
Mas já? Ela acordava para a realidade afora do ônibus.

Os dois já deciam quando ele disse:
- Trabalha no Centro? - foi a coisa mais idiota que poderia dizer.
"Não posso culpá-la por não me responder", pensa.

- Não, fui procurar emprego.

Virara. Ela falara com ele, e mais: sorria. Sorriso angelical. Os olhos perdidos haviam encontrado seu destino.

- Vai para aquele lado? - perguntou ele, finalmente.
- Claro! Me acompanha?

Surpreendeu-se com sua atitude.
- Com todo o prazer.

A fina garoa paulistana caía, abençoando o casal anônimo.

9 comentários:

Marcela disse...

Texto delicioso... eu ficaria decepcionada se nenhum dos dois tivessem tomado alguma atitude!
Liindo demais!

^^

Jú Carvalho disse...

Na vida real, nenhum dos dois t oma a atitude.
Romântico, mas um conto de fadas moderno.

Anônimo disse...

eu não sou muito fã de coisas romanticas, porém parabéns pelo texto baby

Thiago Laurentino disse...

Assim como o Max Psicho eu não sou fã de NADA romântico, mas o texto ficou muito bomm..

Bacioni Ragazza, ti amo.

Anônimo disse...

Reflete o meu estado atual ^^
(E muita leitura de de Crepúsculo :])

Tyler Bazz disse...

Gostei!
Essa garoa de São Paulo rende história e mais história...

Anônimo disse...

Muito bom o seu blog! To visitando alguns blogs porque comecei um agora, que fala da minha vida, meus pensamentos e principalmente algo que amo tanto, música. Valeu!

Fanny Mello disse...

Poxa San, cadê vc???

Você me abandonou?
Eu sei que ñ tenho vindo aqui, mas é que só tinha linckado o 'ovelhas negras', então pensava que nunca tinha novidades...Mas hj tive um tempinho e fui no 300km/h.

Aparece no meu cantinho?

Te espero, bijus da Fanny^^!

João Esteves disse...

O clima está perfeito, os monólogos internos são uma delícia de ler e o desfecho é happy end pra ninguém botar defeito.
Você consegue prender a atenção do leitor e o faz mesmo torcer. Imagino-me na única situação em que eu acabe por me arrepender do que não disse.