domingo, 1 de novembro de 2009

Letrada

Era a exceção à regra; enquanto mil pousavam seus olhos em quaisquer seres do sexo oposto que aparecessem, ela queria saber de parágrafos; no momento em que as companheiras de conversa matracateavam infindavelmente sobre garotos, estava lendo orações subjetivas.

O andar do livro debaixo do braço causava estranheza - onde já se viu menina mais incomum? Que nexo havia em dizer que seu Romantismo era diferente das demais? E como assim, essa estória de cozinhar? Ela lá sabia cozinhar? Nos livros, aprenderia. Onde mais?

Era formosa a menina, despertava o furor dos meninos que mal entendiam o que se passava em suas cabeças. Ainda assim, o amor maior era o amigo de papel, constante em seus braços, objeto de inveja dos meninos, que adorariam tomar o lugar do amado livro. De tanto ler, a menina quis experimentar esse amor o qual ouvira falar com tanta frequência. Parecia ser o assunto favorito; a cor, a dor, a amargura, a loucura. Poesia, esse amor; de Camões a Bandeira. Será que seu Eu lírico poderia amar?

Fazendo dos corações roleta russa, escolheu um menino franzino, mal falava. Pior, ela diria; se não falava, era porque pensava e as palavras ficavam desajeitadas ao terem de pular do precipício dos pensamentos. Longa queda até seus ouvidos. Talvez não falasse por pura timidez. Talvez lesse. Ele a leria?

Achegou-se. O garoto, trêmulo, não tinha ideia do que fazer, das mãos às atitudes. A menina reproduzia com fidelidade os olhos de Capitu e a efusão de Luísa, ainda que não houvesse nenhum Basílio para seduzi-la. O menino, mais uma vez, mantinha-se tão casto quanto o próprio Bentinho pré-seminário.

Ela parou de supetão. Que raio de garoto é esse, que não caía nas armadilhas dos Grandes Mestres? Não tinha o Amor do qual lera? Por que não o oferecia?

- Eu te li, menina. Pela capa, e só pela capa.

Levantou, o menino, cruzando o pátio num instante e frieza comentados por dias na escola secundarista. A menina sentara, como se assim pudesse digerir a realidade com mais facilidade. Era isso mesmo, ele a recusara? Ela, tão lida, tão letrada?

Acreditava apaixonar-se apenas por palavras; esquecia, porém, da alma, embutida nos olhos de quem escrevia.

12 comentários:

Pedro Ricelly disse...

Espero que esse caso não seja experiência sua, apenas mais um belo texto com os quais já me acostumei de ler aqui.

Adriel disse...

Leituras mais profundas...



Grande Abraço! moça do Rock!

Érica Ferro disse...

Ai, Sam.

Delícia de texto.

Muito lindas e profundas as tuas palavras.

Beijo.

Henrique Miné disse...

Bem que minha mãe diz que quem muito pensa...err
enfim, quem muito pensa *insira uma sinônimo de "se fode" que rima com pensa aqui*

E parece ser verdade.


beeeeeeijos.

João Bertonie disse...

Isso me lembrou o maravilhoso capítulo em que Bentinho e Capitu se beijam. Não tenho as palavras em mãos, mas é mais ou menos assim: "Deslumbrava-me e enfatizava-me ao aprender das leis e regras. Mas era virgem de mulheres" (:
Delicioso teu texto, hihi.


beigos mil

Hiorrana disse...

Lindo. Lindo.

Parabéns.

bjo

Tiago Fagner disse...

Putaquepariu!

Rafael Cotrim disse...

... Af nao da vontade de parar, sam ;S

Laís disse...

que texto lindo,adorei mesmo.Acho que as palavras têm muito poder,principalmente de nos encantar.A leitura faz a gente vagar por um outro mundo,por isso não podemos nos perder na fantasia e esquecer a realidade.Acho que as histórias são tão deliciosas que esse mundo parece extremamente sem graça perto delas.
beijo,adorei o blog,tô seguindo.

Nathália Monte ;D disse...

Nossa tu sempre me deixa em transe na frente do note! kkkkk

beijO MOÇAA ;D

Cecília Ferreira disse...

Se é rock ou bossa,acho que por enquanto é bossa rsrsrsrs
É sempre assim né?achamos que com a gente vai ser diferente,que não iremos nós errar não dessa vez!mas sempre erramos e foi...
As vezes gostaria que as coisas fossem como nos livros,porém as vezes é perfeito demais pra nosso mundo real.
bjão,to seguindo

Marion Athayde disse...

sam...

vc eh uma surpresa...

seu texto parece qse tactil... pelo jeito o garoto, em questao, eh alto pois suas palavras, para alcançarem seus ouvidos, têm que cair num precipicio... lindo... lindo... fiquei arrepiada...

dps, por email, te mando um poema meu...

bjuxxx