Eu, com essa minha mania crônica de sentar na frente do computador pra estudar e acabar sem estudar nada. Minha desculpa é música, uma vez que o rádio, velho!, deu os últimos suspiros há pouco tempo. Mentira. Esse tactactac constante e uniforme do teclado me acalma. Barulho bom, sabe? Me lembra os escritores antigos, que viam essa chuva fina, a mesma que eu vejo agora, na janela, e se punham a matracatear sobre os desconcertos do mundo. De qualquer forma, a música continua. Às vezes, eu penso que esses cantores - que a minha mãe chama de drogados e alienados - escrevem pensando que alguém, longe, vai ouvir e pensar em uma vida que não vive. Ou eles façam música pra estar, como eu escrevo pra ser. Sim, porque é pedaço meu cada letra, sílaba ou hiato en-tre-cor-ta-do, do jeito que eu sou quando paro de conversar abruptamente e me ponho a olhar pro azul poluído desse céu. Ou cinza, que é minha cor preferida, é meio-termo - oposto do meu falaragir, do jogar-me do despenhadeiro pela simples querência de ser livre sem medir o espaço entre o eu-etéreo e o chão, a melancolia do estar e a vida. Dói a impossibilidade. É difícil ter fome e não se imaginar devorando algo. E olha que nem é fome de barriga - é de realizar. Apesar da efemeridade e do despropósito, é tão delicioso viver sentindo gostos, chorando os desgostos, na querência do amanhã e no saudosismo infeliz do ontem... Saudade é a insônia da vida: é quando a gente deita em uma cama feita de devaneio e vê aquele filme tragicômico, pensando nos e se...?, que na inexistência, são mais consistente do que o real. Talvez, o que doa mesmo é ver um amanhã comprido,
E ver sua fuga
desse nosso madrugar
[sem escovar os dentes,
de gosto do café amargo nos lábios
e colarinho desabotoado]
a mente feita de não sonhar
os olhos vermelhos de fúria,
o rompante renegado
a alma desnuda
daquele taquetaquetear
de noite muda
ah!
só um sangrar de teclado
de angústia
extravasada
extravasada
10 comentários:
isto que chamo de sinceridade poética! de se suportar no dever e fazer dele seu melhor momento: escrever
"Saudade é a insônia da vida: é quando a gente deita em uma cama feita de devaneio e vê aquele filme tragicômico, pensando nos e se...?, que na inexistência, são mais consistente do que o real."
Cacete! Genial esse texto, cara, genial...!
Beijo, poetisa.
muito perfeito o seu texto! amei muito!
beeeijos
"E ver sua fuga
desse nosso madrugar
[sem escovar os dentes,
"versos perfeitos de quem sabe o que quer além do que se é obvio
Eu tb gosto do tactactac do teclado, ele me faz pensar e me permite viajar, e sim, ao som de músicas eu embarco em possibilidades imaginadas, e a realidade para de doer um pouco.
Charlie B.
Oi Sam,
li duas vezes cada uma de suas palavras. É que algumas profundidades a gente não alcança com apenas uma leitura - por mais atenta que seja. Você falou de escrever-sendo; falou da saudade; da fome incansável que temos por algo novo; falou da inexistência. Sabe? Parece muita coisa, mas tudo isso cabe na gente, em forma de grãos. Sua poesia foi assim, um rompante, em meio aos pensamentos meus.
Beijo!
PALADAR
Uma
pa
la
vra
a
ou
tra
pa
la
vra
e
dá
o
pa
la
dar...
(amei seu texto, como sempre... aliás...)
i-t-e-n-s-o!
assim, pausadamente.
você foi sublime :*
Adorei *-*
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