sábado, 23 de janeiro de 2010

Aline

Aline tinha um coração de incinerador. Irritava-se com qualquer espécie de espera - oras, se a vida é tão passageira e efêmera, por que não vivê-la como manda o figurino?

Também possuía um mal irremediável: o gosto pela impossibilidade. Achava simplesmente excitante a ideia de conquistar, batalhar, e por fim, possuir. Alguns admirariam tal característica. Mal sabiam que a vida de Aline era uma verdadeira lixeira – não-reciclável, antes que tenham esperanças. E não me refiro apenas a objetos; desde faculdades a namorados, o que se tornava realizável ou cotidiano era imediatamente descartado.

Como esta história tem de ir a algum lugar, Aline mais uma vez encontrou uma certeza em meio às suas deserções. Matriculara-se no curso de fotografia por achar que, finalmente, encontrara seu rumo. E o professor, ah, o professor! Sorriso de canto de boca, cabelos impecavelmente alinhados e jogados pro lado, o olhar sagaz por trás dos óculos. Sentiu seu coração sambar, de leve. Porém, desencorajou-se: devia ser o tipo dos horários fixos para suas atividades. Quem abotoaria uma camisa de forma tão sistemática na correria dos dias de hoje?

Ao longo dos meses, Aline percebeu que fotografia realmente lhe interessava. Poderia fotografar pelo resto de sua vida. Aliás, não só fotografia – aquele professor charmoso poderia estar incluso no pacote. Suas colegas lhe diziam que era alvo dos olhares mal-intencionados há meses. “Ah, menina, larga de manha: aquele é cama, mesa e banho. Principalmente cama”.

Armou-se da espontaneidade de uma vida de experiência, convidou-o para um café – não seria bom embebedá-lo em um primeiro encontro. Como de costume, o professor aceitou com o rotineiro sorriso de quartas intenções. Duas horas mais tarde, o destino final era óbvio. Mais do que nunca, morar sozinha nessas horas era vantagem. Tê-lo despido ao seu lado era por si só um prêmio.

A rotina foi a mesma por semanas. Saíam da faculdade, iam para a casa dela, com a cautela de quem faz algo proibido. Ainda assim, como uma doença crônica, Aline voltava a sentir o marasmo da mesmice. Um dia, disse-lhe que era o fim.

- Eu me separei da minha mulher por você!
- Bom pra ti.
- Essa é a última vez?
- Sim. Ah, e não teremos aula amanhã. Fotografia não me interessa mais.

Ela estava à solta novamente. Alguns meus amigos disseram tê-la visto em um curso de gastronomia e, mais tarde, trocando olhares safados com o dono do restaurante em que fazia estágio. Eu? Sou mais um destes descartes de Aline. Talvez, esta fosse sua sina; viver no seu carpe diem eterno, sem um caminho certo, sem um porto para descansar, descartando as promessas fáceis. Aline amava viver – ainda que amasse mais, muito mais, a si mesma.

10 comentários:

Charles Bravowood disse...

Aline amava só a si mesma, egocêntrica, mudando de ideia como quem muda de calcinha, talvez um dia ela deixe de colecionar bugigangas-pessoas-e-coisas e fique pronta para ver o outro lado da vida.

Charlie B.

Anônimo disse...

Eu, particularmente conheço varias garotas com perfis ou apenas algumas caracteristicas de Aline, eu gosto de mulhr que não fica presa a nada e sempre vive desapegada a tudo, pois tudo tem seu ciclo em nossa vida

Anne Beatriz disse...

Adorei o texto, mas prefiro viver a minha vida colecionando amigos, e não descartando eles.
Beijos, Sam!

Anônimo disse...

esse texto foi pra eu?
:D
vc escreve divinamente ,sam
^^

Luana Eckert disse...

Nossa, amei o texto.. muito bem criado e escrito. Ah, e existem muitas Alines por ai, figurativamente falando.. As pessoas hoje em dia preferem uma vida "hakuna matata" a encarar seus próprios medos, destinos e problemas.. Mas com o tempo aprendem que até mesmo a mais fácil rotina tem suas conseqüências.. e por mais difícil que pareça, temos que encara-las.

xoxo'

Elaine Serpa disse...

Gostei mt do post..
acho q sou uma futura Aline..me canso, enjoo rapido das coisas.
Qd eu perder a vergonha vou ser uma Aline.
Detesto coisas serias =D

Daninha disse...

Sabe um dia ela terá que encontrar um só caminho, ninguém pode viver assim para sempre .-.
Seus textos são ótimos Sam!
Beijos

Érica Ferro disse...

Será que um dia ela cansa?

:*

Angie disse...

Entendo um pouco do mundo "Aline".Mas se no caso dela o desapego é inato,no meu é pura covardia.Mas o remédio há de vir!haha

Mony disse...

Ela vive intensamente. Mas um dia vai ter de deixar a intensidade e conhecer a calma.