sábado, 6 de fevereiro de 2010

Pierrot

Era um menino franzino, destes que tem a graça nos lábios e a ternura nos olhos. Pais? Não tinha. E, se tinha, não sabia. Nem queria. O abandono é a maior fraqueza do ser humano e eu não quero saber de ser fruto de fraqueza. Fingia felicidade, diante da perplexidade daqueles que conheciam sua história. Era só um menino abandonado no circo.

- Cinco minutos.

- Estou pronto.

Vida de circense não é só riso, lembrou. A comida, a cama, tudo lhe era mais caro. Eu te peguei numa arquibancada, você só deveria agradecer. O apresentador gostava de apontar para suas mazelas. Como se ele não soubesse que veio da lama e para a lama iria...

Era só mais uma temporada, em uma cidade pequena. Ele gostava de cidades do interior, o ar era mais fresco, a plateia mais animada. As risadas eram sinceras, as crianças não queriam ir pra casa jogar videogame. Elas queriam ver o palhaço. Aquele palhaço.

O número era o mesmo, e ele apresentava todo ano. As crianças arregalavam seus pequenos olhos, diante daquele palhaço que punha fogo no próprio cabelo e não se queimava. Eu já estou queimando por dentro, meninada...

Tinha uma moça de canto, o único lábio retorcido entre todos os sorrisos. Tirou uma flor do dum lenço – como? O rosto ranzinza se iluminou. Ela lhe deu um beijo, de leve. Não faz isso comigo, moça bonita.

- Tem apresentação amanhã?

- Pra um sorriso bonito e beijo com sabor de fruta sempre tem.

Ela riu. Ele flutava.

Noite seguinte, reapareceu no mesmo lugar. Ele olhou uma, duas, tantas vezes que parou de contar. Estava sozinha. O coração palpitou às pernas, que não tardaram a seguir a ordem. O menino-moço não via. Só queria aquele colo de menina, de olhar triste e risonho, ao mesmo tempo.

- Demorei?

Parou. Uma silhueta grande tomou o assento vizinho. Olhos mal-intencionados. A moça riu, com malícia. Foi-se o encanto. Aqueles olhos tristes de ontem contraíam-se em uma expressão débil, vazia de ser, cheia do fingir.

Voltou para sua cama, seu lenço, sua peruca. O nariz vermelho - sinal fechado da vida. Não tinha jeito. Sempre seria Pierrot sem sua Colombina até achar quem lhe sorrisse os olhos – de lábios hipócritas já tivera o bastante.

Naquela noite, deixou-se esquecer na mesma arquibancada onde, um dia, alguém o esqueceu.

And if you're ever around
In the backstreets or the alleys of this town

Be sure to come around

I 'll be wallowing in pity

Wearing a frown like Pierrot the clown...

(Placebo - Pierrot, the clown)

14 comentários:

Henrique Miné disse...

"E o Pierrot só queria amaaar..."

inevitável, hehe.

nossa, fazia tanto tempo que não passava aqui! vou ler os posts antigos ali pra tirar o atraso, hehe.

beeeeeeijos.

Érica Ferro disse...

Lábios são mentirosos, olhos não.

Adorei, Sam!
Beijo.

Thais Cristina, disse...

Linda a história, me apaixonei...

pobre pierrot, achava ter encontrado sua "ilha de esperança" no mar de mesmisse...

amoo seu blog *-*

Se7e/5 disse...
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Bia Alper disse...

You Rock!

Pierrot; eu sempre me vejo nele!

:)

Excelente texto.

Fanii disse...

Triste mas gostei...XD

Pâmela disse...

E o Pierrot nem notou que, do outro lado, na arquibancada, outros olhos sinceros procuravam pelos seus...

=)

Sempre tem uma alternativa para o final.

Geovanna A. disse...

Pierrot só queria amar. Bom, temos algo em comum :D
na boa, você escreve MUITO. queria poder ter esse dom da palavra :D
adoro esse blog.. venho sempre mas sempre esqueço de comentar. mas enfim
liindo :D

Daninha disse...

Pierrot ainda há de encontrar lábios e olhares sinceros, e que o ame.

Beijos Sam

Muni disse...

circo é uma negócio meio agridoce, sem tem um lado trágico, ou assustador... ou talvez seja só o meu lado problemático falando :)

Angie disse...

Acho o circo fascinante.Pena que hoje em dia tenham poucos de qualidade,e os que existem pedem uma quantia absurda...
Palavras são erros,e os erros são seus!

Anônimo disse...

É rock com as palavras doces da bossa. :)

Eu achei tão fofa a inôcencia do conto. Faz tempo que não leio coisas assim. Nem preciso dizer que gostei do blog inteiro, né? HDUAHDUAH.

Thais disse...

Lindo conto... é triste, mas tem sua beleza, sua leveza, melancolia... lindo! Parabéns! *-*

Ricardo Lima disse...

Quem nunca passou por isso? De ñ ter o amor ao seu lado,amor compartilhado, e ver o amor despedaçado!!! Muito loko Saminha, parabéns gagota saudades de ti.
Bjs...
De seu primo q vc esqueceu...